Aos 30 anos, Nevermind é o álbum pré-internet que não envelhece
24/09/2021 09:15 em Música

Nevermind, o segundo álbum do Nirvana, completa 30 anos nesta sexta-feira. Foi em 24 de setembro de 1991 que chegou às lojas o famoso “disco do bebê pelado nadando atrás do dólar”.

A figura é icônica ao ponto de continuar sendo objeto de discussão após três décadas. Recentemente, o bebê da foto, hoje um adulto de 30 anos chamado Spencer Elden, processou a banda, alegando uso indevido de imagem e pornografia infantil. Além de inusitada, a notícia ilustra bem a aura de eternidade do álbum e do conjunto de músicas que sua capa representa.

A estampa emblemática acaba sendo mero detalhe. Por méritos próprios, Nevermind talvez seja o álbum mais importante do rock das últimas décadas, e provavelmente o último relevante do gênero como um todo.

Foi um conjunto singular de fatores que levou uma banda desconhecida formada nos arredores de Seattle a ser contratada por uma grande gravadora, rompendo uma hermética bolha de fãs de rock alternativo e atingindo rapidamente o olimpo da música popular.

Pouco mais de três meses após seu lançamento, Nevermind chegou na liderança das paradas norte-americanas, tirando a posição que era de Michael Jackson. Metallica, Guns N’ Roses, U2 e Van Halen foram outros que lançaram discos na mesma época – todos foram suplantados em algum momento pela ascensão sobrenatural de Nevermind.

O primeiro single, “Smells Like Teen Spirit”, acompanhado de um videoclipe de apelo niilista, é o hino definitivo da década de 1990.

Chega a ser curioso que um álbum de um gênero desgastado como o rock continue a ser exaltado atualmente. Mas o fato é que a reputação e popularidade de Nevermind não dão sinais de enfraquecer. Em 2003, a revista Rolling Stone colocou Nevermind na décima-sétima posição entre os 500 maiores álbuns de todos os tempos; na revisão da listaem 2020, mandou para a sexta posição.

Especialistas e testemunhas oculares do sucesso do Nirvana são unânimes a respeito dos principais motivos que levam Nevermind a ainda conquistar novos fãs e resistir ao teste do tempo: é a qualidade das canções, associada à sonoridade convidativa, além de mais alguns elementos transcendentais de difícil definição.

“As músicas são realmente ótimas”, diz o jornalista norte-americano Michael Azerrad, autor da biografia oficial “Come As You Are: A História do Nirvana”. “Há algo nelas que não pode ser explicado, que toca qualquer alma que esteja aberta para sentir. Essa é a magia da música, e é atemporal. Algumas pessoas querem coisas reais, e a música do Nirvana é inconfundível e poderosamente real.”

Para Azerrad, que foi amigo íntimo de Cobain – e escreveu sobre a relação em um ensaio recente para a revista New Yorker –, a genialidade do músico estava no fato de “que ele era alguém com quem muitas pessoas podiam se relacionar, e ele traduzia esse sentimento em música.”

Além disso, o biógrafo ressalta a qualidade da gravação de Nevermind e as performances dos músicos como os elementos indispensáveis de uma combinação certeira: “Não apenas a voz de Kurt, mas as linhas de baixo perfeitas de Krist [Novoselic] e a maneira como Dave [Grohl] toca a bateria com tanta força enquanto também serve completamente a música”.

“Sonoramente, o Nevermind sobreviveu muito bem. Além de ter boas canções, e diferentes umas das outras, tem ataque e energia”, concorda o jornalista André Forastieri, autor do livro de ensaios “O dia em que o rock morreu”, em que relata a entrevista que fez com Kurt Cobain no Brasil, em 1993.

Forastieri crê que o Nirvana “foi a última banda de rock que importou, porque foi a última antes da internet. O disco saiu em 1991, e cinco anos depois, o mundo já era completamente diferente. O papel do rock como transmissor de tudo o que é ‘novo’ não foi ocupado por um gênero, mas por uma plataforma digital. E o Nirvana é um divisor de águas disso.”

”Não esqueça que Nevermind foi pré-internet!“, faz coro Jack Endino, o produtor de Bleach, álbum de estreia do então desconhecido Nirvana, lançado em 1989. Questionado sobre as razões do estouro inesperado de Nevermind, ele não reluta em enumerar os fatores fundamentais: “São as canções, e as performances dessas canções, especialmente os vocais. E o clipe de ‘Smells Like Teen Spirit’ na MTV foi provavelmente uma grande parcela disso, ainda que eu nunca tenha assistido à MTV”.

Endino, que foi um dos produtores que mais vezes trabalhou com o Nirvana e gravou as primeiras demos da banda em 1987, exalta que Nevermind teria soado de outra maneira se passasse por suas mãos, ainda que valorize a produção caprichosa do então novato Butch Vig e a mixagem posterior do experiente Andy Wallace. ”É simplesmente… um trabalho de qualidade”, ele diz. “É quase perfeito. Eu teria o mixado diferente, é claro, mas talvez não tivesse vendido tantas cópias… Não há como saber!”.

Nevermind foi gravado entre maio e junho de 1991, no estúdio Sound City, em Los Angeles. Bancada pela gravadora DGC (selo da Geffen), a produção comandada por Vig teve um custo de US$ 65 mil – um valor mais de cem vezes maior do que os US$ 600 gastos para a gravação de Bleach, de 1989, lançado pelo selo independente Sub Pop.

A diferença é percebida mesmo por ouvidos desatentos: Bleach soa cru, barulhento e abafado, o exato oposto da sonoridade límpida e agradável das doze canções de Nevermind, ainda que sejam embaladas por camadas de guitarras distorcidas, bateria pesada e os versos ora sussurrados, ora gritados, de Kurt Cobain.

A mixagem, que é o trabalho de agrupamento e equalização dos sons dos instrumentos e vozes obtidos na gravação, talvez seja o segredo da sonoridade de Nevermind ser tão acessível a ouvidos diversos – apesar de criticada pelo próprio Cobain na época, que a considerava “polida demais”.


Fonte: CNN Brasil

COMENTÁRIOS