Enquanto o Plano Nacional de Imunização (PNI) para combater o coronavírus avança, o esquema vacinal de doenças que assolaram o país em outras décadas vem sofrendo uma queda significativa e já alcançou os patamares dos anos de 1980. Os dados divulgados recentemente pelo Ministério da Saúde acendem um alerta na população e preocupam especialistas.
O levantamento mostra que a redução das coberturas vacinais ultrapassa o contexto da pandemia e pode ser notada nos números dos últimos cinco anos. Para se ter uma noção, em 2015, a BCG – considerada uma das vacinas mais importantes por prevenir formas graves de tuberculose – aplicada em crianças de zero a menores de cinco anos, teve uma taxa de imunização de 105,08%. Mas, em 2020, a procura pela vacina caiu para 73,78%.
Segundo o diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBI), Renato Kfouri, houve um agravo na pandemia por conta das restrições, porém o cenário em geral preocupa. Segundo ele, é preciso reforçar as orientações por meio de campanhas, informando a população do valor de manter o calendário vacinal em dia.
“Vários têm sido os motivos elencados pelos especialistas para justificar uma queda nas coberturas vacinais. O acesso dificultado, os horários de funcionamento dos postos, que não atendem mais uma população onde pai e mãe trabalham, falta de vacina, um calendário complexo que faz as pessoas precisarem ir todo mês aos postos de vacinação, mas como pano de fundo disso tudo está a percepção diminuída para essas doenças”, disse Kfouri.
“No passado, essas doenças atemorizavam essas famílias. Ninguém queria ver seu filho paralisado, hospitalizado por pneumonias, meningites, morrendo de sarampo“, completou. O diretor da SBI destaca ainda que a maior preocupação, no momento, são doenças como poliomielite e sarampo, que podem deixar sequelas, quando não evoluem para óbito.
“Sarampo é a nossa ameaça mais concreta. É a doença de maior transmissibilidade ainda não controlada no país e no mundo e, consequentemente, num cenário de baixa vacinal, é a primeira que dá as caras, é a primeira que se transmite e volta circular entre nós”, apontou Kfouri.
“Mas o risco não para por aí. Rubéola, coqueluche, difteria, a própria paralisia infantil são ameaças constantes. Nós só vamos continuar livres dessas doenças se as coberturas vacinais forem mantidas em altos níveis. Esse é o grande desafio das vacinas. Continuar convencendo as pessoas a se vacinarem a despeito dos casos serem muito reduzidos e a percepção do risco ser muito pequena”, ressaltou o médico.
A tríplice viral, como é conhecida a vacina MMR, que age contra sarampo, caxumba e rubéola, teve uma queda da cobertura vacinal de 96,07%, em 2015, para 79,51% no ano passado. Já o imunizante que previne a poliomielite, também chamada de pólio ou paralisia infantil, doença contagiosa aguda causada pelo poliovírus, caiu de 98,29% para 75,95% no mesmo período.
Para a médica Tânia Petraglia, membro do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), a situação atual é de risco e possibilita o ressurgimento de várias doenças que já haviam sido controladas no passado, o que seria um retrocesso para a saúde pública.
“Quando uma criança se vacina, ela está sendo protegida do ponto de vista individual, mas está levando proteção para, por exemplo, um amiguinho da escola impedido de ser vacinado, a exemplo de uma criança imunocomprometida que não pode receber vacina para sarampo, caxumba, rubéola ou mesmo para varicela. Então, a vacinação dos conviventes dessa criança imunocomprometida também é importante”, disse a especialista.
“Quando vacinamos uma criança saudável, estamos protegendo do ponto de vista individual, mas também estamos colaborando para que outras crianças, que não podem receber a vacinação, também fiquem protegidas de uma forma indireta. Portanto, vacinar vai além da proteção individual. Vacinar é um ato de amor e de solidariedade”, enfatizou Petraglia.
Sobre a necessidade e o reforço das orientações a respeito das doenças, principalmente as que atingem a primeira infância, o Ministério da Saúde informou à CNN que, mesmo em tempos de pandemia, a imunização de rotina é mantida ativa e a orientação é para que a população procure os postos de saúde para atualizar a caderneta de vacinação.
A pasta recomenda que os gestores municipais de Saúde estabeleçam parcerias locais com instituições públicas e privadas para descentralizar o máximo possível a vacinação. Além disso, cada cidade deve estabelecer estratégias, considerando ampliar as coberturas vacinais, no intuito de atingir as metas.