Como turnê do ABBA com hologramas pode se tornar tendência pós-pandemia
Vida e estilo
Publicado em 09/11/2021

Quarenta anos depois de seu último disco de estúdio, a banda sueca ABBA retorna com um novo álbum e um show holográfico que acontecerá no próximo ano, em Londres.

O projeto Abba Voyage inclui dez canções performadas por avatares dos integrantes, porém rejuvenescidos.

O show foi gravado previamente pelos próprios músicos, que usaram trajes especiais para mapear seus movimentos e dar vida aos personagens.

Apesar de o detalhe da holografia chamar a atenção no anúncio, a verdade é que a técnica tem origem no século 19 e já foi utilizada em concertos de outros artistas nas últimas décadas.

O começo dos hologramas

O holograma foi descoberto em 1858 pelo engenheiro inglês Henry Dircks, quando ele fez a projeção de uma imagem em uma placa de vidro posicionada em um ângulo de 45 graus, o que criou um efeito “fantasmagórico” que ficou conhecido justamente como Fantasmagoria de Dircks.

 

Mais tarde, o cientista John Henry Pepper aprimorou a técnica de ilusão em uma performance teatral da noveleta “The Haunted Man” de Charles Dickens, assim tornando a holografia um formato mais popular e acessível mesmo nos parques da Disney e em filmes como “‘007 – Diamantes São Para Sempre” (1971). A técnica, então, passou a ser chamada de “Fantasma de Pepper”.

Tatiana Calvo, diretora artística do TACC88 (hub de criação focado em live marketing) e especialista em inovações tecnológicas e instalações imersivas, já produzia, em 2012, shows holográficos.

Ela explica que uma forma comum de se fazer holografia é através do uso de um projetor. Sua imagem é refletida em um espelho e então projetada em uma película específica, semelhante ao vidro, que é posicionada logo à frente no palco. Esse projetor precisa ficar escondido em um fosso, justamente para criar essa ilusão de presença da imagem.

“É uma coisa bem cara de se fazer, porque a película é importada e o preço geralmente é em euros ou dólares. Para baratear, dá para fazer umas traquitanas, colocar um projetor atrás de um vidro jateado ou de um tecido e falar que é holografia, mas não é”, comenta.

Complexidade torna tecnologia do holograma cara

Para entender a diferença entre um holograma de verdade e uma “imitação”, é preciso antes entender que a holografia é uma técnica de fotografia.

Na holografia, objetos 3D são gravados usando um laser e restaurados com a maior precisão possível para corresponder ao objeto original.

No caso do ABBA, a performance foi gravada com os artistas usando 160 câmeras.

Ao longo de cinco semanas, especialistas em efeitos especiais trabalharam na confecção do show que será projetado como holograma.

“Os hologramas são imagens tridimensionais virtuais criadas pela interferência de feixes de luz, que refletem objetos físicos reais. Os hologramas preservam a profundidade, paralaxe (deslocamento aparente de um objeto quando se muda o ponto de observação) e outras propriedades do objeto original”, explica George Lai, CEO do Azimolab, laboratório de experiências imersivas.

Mais do que complexa, a tecnologia holográfica também tem um alto custo de produção.

Lai comenta que hologramas podem começar em R$350 mil para a reprodução de vídeos e chegar a R$6 milhões no caso de criação de personagens fictícios ou na recriação de pessoas através de gravações.

“Os custos com equipamentos, mão de obra especializada e de serviços adicionais de programação, captura de movimentos e modelagem 3D também impactam em boa parte dos custos e podem inviabilizar o uso da tecnologia”, explica.

Vale a pena ir a um show holográfico?

 

Lai acredita que, por conta dos percalços técnicos ocorridos durante outros shows feitos com hologramas no Brasil muitos artistas e produtores passaram a ter resistência à tecnologia, mas isso pode estar mudando conforme novas soluções são criadas.

Com o fim da pandemia e o reaquecimento da discussão sobre o metaverso iniciada por Mark Zuckerberg, a pergunta é se as pessoas estão querendo sair de casa para ver shows (holográficos ou não), quando já há concertos sendo feitos em games como o Fortnite. Travis Scott e DJ Marshmello foram alguns dos artistas que já se apresentaram no jogo.

Para Lalai Persson, publicitária e jornalista no site Chicken or Pasta, voltado à curadoria de eventos, no curto prazo as pessoas devem se reunir para ver shows presenciais — sejam holográficos ou não.

Apesar de mais eventos estarem migrando para o virtual, quem gosta de shows ao vivo continuará indo pessoalmente, como sempre. “O que estou vendo aqui em Berlim é uma corrida do ouro com ingressos se esgotando rapidamente, mesmo com valores muito mais altos que antes da pandemia”, ela comenta. “As pessoas querem voltar para a ‘pista’, querem encontrar as pessoas e ter a experiência que envolve um evento ao vivo.”

Segundo a pesquisadora Beatrys Fernandes da Universidade Cornell, shows holográficos fazem ainda mais sentido no pós-pandemia, principalmente do ponto de vista do artista. “Mesmo que o artista seja uma pessoa de verdade, durante o show, ele está representando um personagem. O show holográfico, portanto, só estará projetando a ficção, porém com uma camada de fetichismo pela tecnologia”, ela argumenta.

Show holográfico de quem não existe?

No Japão, desde 2007, uma das artistas mais populares do país é uma personagem em forma de desenho que se apresenta como holograma em shows Hatsune Miku e foi desenvolvida a partir de um sintetizador de voz chamado Vocaloid.

Mais do que uma voz a ser usada para criar canções, Miku ganhou uma aparência física desenvolvida pelo artista japonês Kei Garo, que deu à personagem o aspecto de uma garota de 16 anos, de cabelos turquesa presos com maria chiquinhas.

 

Miku tem quase 2 milhões de seguidores e já publicou centenas de milhares de músicas. Ela é um dos ícones da música pop japonesa e já fez turnês no mundo todo.

Em 2018, chegou ao Brasil no evento paulistano de cultura japonesa Anime Friends, voltado à cultura pop japonesa.

Bruna Santos acompanhou a performance junto de suas filhas Alana, de 16 anos, e Alice, 14. “É uma experiência muito diferente de um cinema ou de um show, porque não tem uma pessoa lá, mas você a vê”, ela conta.

Já suas filhas acharam ainda mais interessante o fato de que Hatsune Miku nem sequer ser uma pessoa de verdade, mas sim uma personagem em computação gráfica.

Beatrys comenta que tanto Hatsune Miku quanto qualquer outro artista humano, vivo ou não, são, na verdade, personagens criados coletivamente — afinal, a persona do artista não é a mesma do indivíduo.

No caso dos shows, a pesquisadora acredita que o apelo está mais na experiência coletiva que ocorre não apenas entre o artista e o público, mas também entre a própria audiência.

“Do mesmo modo que as pessoas vão para festas especiais da Lady Gaga ou Beyoncé, elas também iriam a um show mesmo que a artista não estivesse lá presencialmente”, explica. “A holografia desconecta o artista do corpo e isso pode até fazer com que o mercado de shows se potencialize.”

É nesse sentido que a pesquisadora Vanessa Mathias, co-fundadora da consultoria White Rabbit, acredita que os hologramas podem funcionar de modo a replicar grandes eventos em versões satélite.

“Não faz sentido ter um evento grande em um único lugar, então a holografia pode aportar esse nicho fazendo com que certas apresentações e conteúdos sejam projetados para mais lugares”, comenta. “Fora isso, a holografia pode também nos ajudar a reduzir a pegada de carbono das viagens de avião, porque não precisaremos mais nos deslocar para acessar o conteúdo do evento e, ainda assim, teremos a oportunidade de nos reunir em um acontecimento presencial, só que com holograma.”

Fonte: CNN Brasil

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