Pão francês, pão de sal, pão de água, carioquinha, pão de trigo e até pão “careca”. São inúmeros os nomes encontrados Brasil afora só para um tipo de pão – aquele vendido diariamente em padarias espalhadas pelo país. Quem os vê hoje tão fofinhos, com casquinhas crocantes e miolos macios nem imagina que as primeiras receitas, lá de 12.000 a.C., não tinham nada disso.
Diz a história que, naquela época, os pães eram feitos misturando a recém-criada farinha de trigo com bolota, um fruto do carvalho. A massa, então, era lavada em água fervente inúmeras vezes e assada na pedra quente ou sob as cinzas. O resultado era um pão seco, achatado e com sabor bastante amargo.
Mas, para a nossa sorte, a receita evoluiu junto com a sociedade. Primeiro veio o forno, depois o fermento e, enfim, as padarias. Acredita-se que, no Império Romano, havia cerca de 400 padarias e até escolas para ensinar a fazer pão.
De alimento à moeda de troca, com o passar dos séculos, os pães conquistaram papel cada vez mais importante na sociedade e se tornaram indispensáveis. E, apesar da queda do Império Romano ter esfriado um pouco os fornos, a panificação voltou com força total no século 12.
Padeiros italianos e franceses se destacaram com técnicas elaboradas e resultados cada vez mais irresistíveis. Mas desde quando esse hábito se tornou parte da vida dos brasileiros?
Os imigrantes e o novo hábito brasileiro
A primeira tentativa de plantio de trigo no país foi feita por volta de 1530, com o português Martim Afonso de Souza, mas não houve sucesso por alguns fatores, como o clima no Brasil, como explica Patrick Ambrogi, chef Boulanger, docente do Instituto Le Cordon Bleu São Paulo.
“O hábito de consumo do brasileiro não era o trigo, não o tínhamos como produto aqui nas Américas. Nossas bases de alimentação eram outras, como batata e mandioca. Passaram-se quase 400 anos após a primeira tentativa de plantio, até que essa relação com o produto fosse retomada. O movimento migratório de europeus para o Brasil foi fundamental para que isso acontecesse”, diz Ambrogi, complementando ainda que a virada do século 19 para o 20 foi o ponto-chave para essa relação de consumo de pão que temos hoje.
“A capacidade de plantio e o know how desses italianos, portugueses e espanhóis, entre outros, para transformar o trigo em farinha e posteriormente em pão foi o começo da inclusão na rotina desse alimento de base”, ressalta.
“Era uma coisa vinda de fora. No fim da Primeira Guerra Mundial, os brasileiros também viajavam para Europa e traziam referências de bons produtos que queriam passar a consumir. O domínio de técnicas desses imigrantes, já em solo brasileiro, colaborou para que tudo acontecesse dessa maneira”, completa.
Foram diversas padarias abertas por esses europeus, que deram o grande pontapé para que esse mercado crescesse a cada ano. É o caso da tradicional padaria paulistana Dona Deôla, que começou sua história em 1949, quando Dona Deolinda, imigrante portuguesa recém-chegada ao Brasil, abriu a “Padaria Do Lar” em um pequeno prédio na esquina da avenida Pompeia, na zona oeste da cidade.
Com espírito empreendedor e a ajuda do marido, Antônio Emílio, ela fez do lugar uma referência de qualidade na região até 1957, quando decidiu abrir outro negócio e vender o ponto. Trinta e oito anos depois, o imóvel, até então alugado, voltou para as mãos da família.
Com o sobrado à disposição, os netos do casal fundador decidiram abrir uma nova padaria no local. Batizada em homenagem à Dona Deolinda, a primeira loja da Dona Deôla foi inaugurada com a presença da matriarca há 25 anos.
Hoje está presente em cinco endereços em São Paulo, por onde circulam em torno de 240 mil clientes todos os meses. A rede foi a responsável por introduzir serviços e produtos que se tornaram símbolos das grandes padarias paulistanas, como os buffets de café da manhã e de sopas no inverno, além de produtos próprios para ocasiões especiais, como ovos de páscoa e panetones.
Na pandemia, conseguiu expandir ainda mais o seu negócio – conta com 800 funcionários no total. Abriu oito pontos de vendas, em hotéis, empresas e hospitais. Hoje, são 31 pontos que vendem números expressivos, incluindo o de 400 mil pães franceses por mês.
O mercado da panificação
E falando em pão francês, segundo o Sindipan-MT, 76% dos brasileiros comem o tradicional pãozinho no café da manhã. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria (ABIP), são mais de 70 mil padarias espalhadas pelo Brasil.
Em 2021, o mercado de panificação e confeitaria faturou R$ 105,85 bilhões no país, um crescimento de 15,3% em relação a 2020, segundo o presidente da Associação, Paulo Menegueli.
“Mas como em todos os setores, o nosso de padarias teve de se adaptar rapidamente aos problemas causados pela pandemia. Fizemos uma readaptação, falamos a fundo sobre o que era ofertado, discutimos sobre precificação e isso nos deu uma força grande. Claro que muitos saíram prejudicados e ainda sofrem com os efeitos desse período, mas todos se ajudam muito. De maneira geral, conseguimos crescer e estamos sempre discutindo ações que possam ajudar a fortalecer o nosso mercado como um todo”, ressalta o presidente.
Cerca de 2,5 milhões de trabalhadores fazem parte do setor de panificação, sendo 920 mil com empregos diretos e 1,6 milhão de profissionais indiretos, segundo dados de 2020. Estima-se que 41 milhões de brasileiros entrem em padarias todos os dias para comprar pão.
São Paulo e sua forte tradição
De acordo com o Sindicato de São Paulo, Sampapão, só na cidade são vendidos 25 milhões de pãezinhos todos os dias. E é também na capital paulista que está concentrado hoje o maior número de padarias: cerca de 22 mil, o que representa quase 30% do mercado geral – seguida de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, respectivamente.
Há desde as centenárias, como a Santa Tereza – que muitos dizem ser a mais antiga do Brasil, localizada no centro –, até as recém-abertas, com uma proposta mais artesanal.
O vice-presidente da entidade, Júlio Dinis, atua na área desde 1976, quando chegou de Portugal com sua família. Aos 13 anos, começou a trabalhar como balconista na padaria Marli, no bairro da Penha.
Anos depois se tornaria um dos sócios do local, junto com seu irmão. Viu de perto a evolução do mercado e se adaptou a ele em todas as fases, mas destaca que o que nunca mudou foi o fato de o bom e velho pãozinho sempre ser o protagonista.
“As padarias evoluíram muito, assim como a cultura da alimentação. Antigamente, raramente as pessoas comiam fora. Com o passar dos anos, o mercado foi mudando, e as padarias, se adaptando. É um setor muito camaleônico. Mas comer um pãozinho pela manhã já é cultural, não à toa os números de venda de pão na pandemia aumentaram e fomos considerados como serviço essencial. É um setor que abre mais cedo e fecha mais tarde”, destaca.
Geralmente as padarias na cidade abrem às 6h e fecham apenas às 22h. Mas e se falarmos que tem algumas que nem sequer fecham? É o caso da Bella Paulista, que nasceu em 2002 e é um dos grandes exemplos de padarias paulistanas.
Acompanha o ritmo da cidade: funciona 24 horas por dia, todos os dias do ano. Diariamente, passam por lá mais de 5 mil pessoas – aos fins de semana, esse número aumenta. São 210 funcionários para atender a clientela.
Ao ser inaugurada, na região da Avenida Paulista, importante centro empresarial da América Latina, a padaria ocupou um imóvel na esquina das ruas Luis Coelho e Haddock Lobo, onde anteriormente funcionava um supermercado.
Destacou-se por ter consumido o maior investimento já feito na construção de uma padaria. Seus sócios – todos com experiências anteriores no ramo de panificação – foram chamados de loucos, mas em pouco tempo a Bella Paulista transformou-se numa das maiores referências para o mercado, agregando o conceito de conveniência ao simples ato de vender pães.
O movimento é incessante. O entra-e-sai começa bem cedinho, pela manhã, quando chegam os primeiros clientes para um café da manhã nas mesas ou balcões – que se confundem também com aqueles que curtiram até de manhã algum lugar da cidade. Em seguida, começam a aparecer os apressados executivos da região para devorar um caprichado sanduíche, uma salada leve ou um dos pratos do dia no almoço. E assim caminha o dia todo até recomeçar o ciclo.
“Essa é a nossa rotina. Temos opções para todos os gostos e hábitos, mas se tivermos que falar o que mais é vendido, com certeza é o pão na chapa com manteiga ou requeijão. Por dia, são mais de 400. Não tem jeito, está enraizado no paulistano esse hábito”, ressalta Émerson dos Santos, gerente da Bella Paulista.
O boom das padarias artesanais
O chef e professor do Le Cordon Bleu, Patrick Ambrogi, considera padarias produtos muitos promissores mesmo depois de tantos anos em atividade. Há 15 anos, o mercado só tem saldos positivos e movimenta bilhões de reais – uns mais, outros menos, mas sempre fechando no “azul”.
São Paulo, por ter sido a porta de entrada desses imigrantes europeus, acabou sendo a grande referência para esse setor, mas, claro, que hoje são encontradas padarias no Brasil inteiro.
“Temos dois grandes mercados de padarias. Um é formado por verdadeiros centros de conveniência, que oferecem inúmeros produtos e precisam de agilidade para atender a suas demandas. E outro, mais recente, de padarias artesanais, que vendem produtos que precisam de mais tempos de produção, com fermentação lenta, natural, e uma produção em menor escala. Essas últimas estão em um processo de redescobrimento do negócio, voltando às origens”, aponta.
“Ainda que a gente observe o mercado em plena expansão, tem muito espaço para crescimento e muitas lacunas para serem preenchidas. Existe a possibilidade de evoluir o produto, não se pode estacionar. Temos um consumidor cada vez mais informado, que sabe o que está consumindo e está atento a tudo”, reflete o professor.
Se por um lado as padarias mais antigas se adaptaram aos novos hábitos e se tornaram um local que “vende de tudo”, outras nasceram justamente tentando resgatar a essência de padaria como um local para se consumir o seu produto originário: o pão.
E foram elas, principalmente, que tiveram um grande crescimento nos últimos anos. É o caso da Sagrado Boulangerie, dos sócios Fábio Freitas e Thaís Cerdeira, que começou com uma operação móvel em Alphaville.
Engana-se quem pensa que a história dos empresários sempre teve a ligação com o produto. A decisão de abrir um negócio nesse ramo, em 2015, foi estratégica.
Enquanto ela trazia na bagagem um vasto conhecimento no mercado de franquias do segmento de dermocosméticos, ele vinha da área de finanças. Na época, Fábio era alto executivo de um dos maiores grupos empresariais do país.
“Queríamos investir em algo inovador e pensamos em um produto em que teríamos faturamento diário. Logo pensamos no pão, apesar de não termos nenhum tipo de história com o alimento. Naquele momento, Thais resolveu fazer um curso de panificação e também se especializar na área. Queríamos entender a fundo o que seria esse projeto em termos operacionais”, conta Fábio.
“Fizemos uma avaliação e o que brilhou nossos olhos foi a possibilidade de pensar em um modelo de negócios para levar o produto até o cliente, o que teria um valor agregado muito importante. Começamos assim, com uma operação móvel. Com o passar do tempo, vimos que o que tinha valor não era só a experiência, mas sim o nosso produto. Não trabalhávamos com químicos, usávamos os melhores ingredientes, com farinhas especiais, ricas em proteína, e o sucesso foi quase imediato”, completa.
A partir de 2016, ambos resolveram largar seus respectivos empregos e dar atenção exclusiva ao projeto. Pensaram em qual caminho seguir para expansão e iniciaram montando uma loja de fábrica. Participaram até de um programa de televisão e conseguiram um investidor. Saíram de uma operação de quatro funcionários para 98.
Hoje são 19 unidades da Sagrado, sendo cinco unidades móveis, 13 lojas físicas, um container e 15 toneladas de farinha por mês.
“A Sagrado vem dobrando desde 2019. A primeira operação de food truck já deu retorno em seis meses. Em função disso, tomamos a decisão de continuar com o pé no acelerador. O projeto gera um retorno anual que é investido no crescimento e desenvolvimento dele próprio. O mercado de panificação está em plena transformação e as pessoas estão buscando se alimentar de forma nutritiva”, completa.
E é nessa linha que a St Chico também viu seu negócio aumentar, principalmente na pandemia. A primeira unidade abriu em 2018, no Baixo Pinheiros, bem pequena e com cara de empório francês.
Nasceu como um lugar focado em pães artesanais – feitos apenas com ingredientes brasileiros pelas mãos da chef e padeira Helena Mil-Homens. Os pequenos produtores do país também tiveram seu papel na essência da padaria: podiam vender seus produtos, como geleias, queijos, vinhos, entre outros.
Em 2020, pouco antes do início da pandemia, a segunda unidade da padaria foi inaugurada também no bairro de Pinheiros. O que poderia ser um momento de apreensão logo se tornou comemoração. O resultado foi um salto de números expressivo: saíram de 100kg de farinha por mês para 1.500kg, e de cinco para 12 funcionários.
O faturamento do pão, que antes era de 30%, saltou para 80%, e o fornecimento para 2B2 aumentou 200%.
“Nesse período as padarias puderam ficar abertas. Muitas acabaram diminuindo por conta de outros serviços que ofereciam, mas a St Chico já nasceu com essa essência de não ter uma mega-operação e uma produção em menor escala. As pessoas passaram a consumir ainda mais pão, leite, doce. Elas se permitiram a isso em um momento tão difícil, além de terem mais tempo para analisarem e escolherem o produto que iriam consumir”, ressalta Helena.
“Eu sou muito estudiosa e perfeccionista e hoje temos um produto muito bom. Fico muito feliz quando os meus sócios e os clientes comentam sobre a qualidade do que é produzido. A gente conseguiu montar uma cadeia de sustentabilidade que valoriza o pequeno produtor. É um negócio quase familiar que todo mundo abraça e sustenta a causa. Os consumidores estão cada vez mais atentos a todos esses processos”, completa.
Já em Minas Gerais, o segundo estado que mais abriga padarias segundo a Abip, o conceito de “artesanal” é algo já enraizado. Felipe Santiago, empresário do setor de restaurantes, idealizou a Bagueri no estado durante a pandemia. Com duas unidades em Belo Horizonte, trouxe a marca em outubro de 2021 para o bairro de Higienópolis, em São Paulo.
“Sempre quis ter uma padaria. Sou do ramo e faço parte de um grupo que possui diferentes restaurantes na cidade (Udon, Pizzaria Olegário, Eva Cucina). Na pandemia, tivemos que fechar tudo, mas as padarias tiveram autorização para ficarem abertas. Então, enxerguei a oportunidade de colocar em prática essa vontade minha. Como já tinha o projeto na minha cabeça, juntei os arquitetos, construtores e abri logo duas unidades”, ressalta.
A chegada em São Paulo aconteceu naturalmente. O imóvel onde está a padaria apareceu em momento oportuno, e com base no sucesso da abertura na cidade natal, resolveu apostar. A fórmula já estava pronta e sua bagagem cultural contribuiu para que o negócio fosse um sucesso.
“Em Minas, produtos artesanais fazem parte da nossa cultura. Sempre tivemos queijos maravilhosos, que eram desconhecidos e hoje são premiados. Muitos locais têm produtos que só são encontrados neles. O mercado está aquecido, mas todos têm procurado se aperfeiçoar: insumos, ambiente, atendimento e produto final são pontos essenciais para que o negócio funcione bem”, completa.
A Bagueri conta hoje com cinco funcionários em cada unidade e vende cerca de 300 pãezinhos por dia. Apesar de iguais na essência, Felipe destaca a diferença entre os públicos que a frequentam.
“Percebo que o paulistano arrisca mais na hora de experimentar. O hábito de consumo também é diferente. Enquanto em São Paulo a parada para o cafezinho é mais rápida, no ritmo da cidade, em BH as pessoas passam mais tempo dentro da loja conversando. Mas posso dizer que ambas as cidades são maravilhosas e estou muito feliz com as escolhas”, finaliza.
O sonho de viver de pão
Não é necessário ter uma pesquisa oficial para perceber que o pão, no período de pandemia, foi um dos alimentos mais consumidos pelos brasileiros.
A falta de trigo nas prateleiras do mercado, as fotos nas redes sociais das pessoas produzindo seus próprios pães e diversas pessoas começando a vender seus produtos como forma de alternativa para uma renda extra estreitaram ainda mais a relação deste alimento com os brasileiros.
No Rio de Janeiro, a advogada Marta Carvalho, de 43, viu seu negócio se consolidar neste período. O que antes era um sonho – viver de pão – acabou se tornando realidade.
Ela, que sempre gostou muito de cozinha, fazia pães para levar em encontros com amigos. Sempre elogiada e incentivada por todos a começar a vender suas produções, começou a considerar a possibilidade principalmente após ser surpreendida por um casal francês em uma dessas ocasiões.
“Havia levado meus pães para uma festa. Eles estavam entre os convidados. Os vi comendo e olhando um para o outro. Perguntaram para a minha amiga onde ficava essa padaria, pois nunca tinham comido um pão tão bom. Foi então que me apresentaram”, conta.
Marta começou, então, fazendo fornadinhas para os amigos. Em 2017, havia feito um curso em São Francisco – grande referência na panificação – por hobby. Em 2019, aproveitou uma reforma na sua casa para montar seu ateliê.
Começava ali a sua marca: Martoca. Já estava insatisfeita com a profissão e resolveu que não seria mais advogada. Mas foi na pandemia que tudo tomou uma proporção maior.
“O pão foi o conforto para muitas pessoas na pandemia. Todos estavam muito angustiados e acho que esse alimento foi um dos representantes desse aquecimento no coração das pessoas. Eu ainda sou sozinha, tenho um limite de volume, mas consigo viver só de pão. Não ganho como ganhava como advogada, mas se antes da pandemia precisava tirar um pouquinho da poupança, hoje já penso em abrir uma loja física”, conta.
Marta conta com um funcionário para fazer suas entregas – vende de 100 a 150 pães por semana. Localizada no Jardim Botânico, atende via Instagram e Whastapp, oferecendo inúmeros tipos de pães, com fornadas saindo às terças, quintas e sextas.
O pão como aprendizado
Apesar de o pão ser um dos alimentos mais consumidos pelo brasileiro e ter um preço considerado acessível para muitos, há quem não o tenha como opção.
Por muito tempo foi o caso de Maria Angélica, de 31 anos, que cresceu em uma realidade difícil. Nasceu em Limeira, interior de São Paulo, e morou em Francisco Morato até 2010, quando se mudou para Marília para tentar uma vaga na Universidade Estadual Paulista (Unesp). Com ajuda de todos à volta, pagou um cursinho pré-vestibular e foi aprovada em 2011 no curso de pedagogia.
Mas qual é a relação da jovem professora com a panificação?
“Eu falo que o pão fez parte da minha história e teve papel fundamental para eu chegar aonde estou hoje. Quando eu era criança, queria comer um pãozinho e nem sempre conseguia, mas sempre tive a certeza de que mudaria a minha realidade. Batalhei muito pra isso”, conta.
No fim de 2019, Maria Angélica terminou o mestrado e aprendeu a fazer pão de fermentação natural. Um professor de sua faculdade, que tinha o pai padeiro, experimentou a receita da aluna e se surpreendeu, falando que ela deveria investir nessa carreira.
Em 2020, a professora, já formada, começou o emprego como substituta em uma escola. A pandemia veio e os cortes no local também, fazendo com que ela buscasse uma alternativa fora das salas de aula. Foi assim que o “Pão das Angélica” começou a se tornar realidade em sua vida.
“Foi neste momento que retomei a jornada dos pães. Tinha muito pouco e no auge da pandemia tive a ideia de fazer uma vaquinha virtual para investir na profissão. Arrecadei cerca de R$ 5 mil. O valor foi suficiente para eu comprar uma batedeira, um forno simples e ainda ajudar na minha mudança para uma casa um pouco maior”, conta.
Maria Angélica, então, começou a fazer parcerias e eventos, além de vender para muitas pessoas da região onde morava. Seleciona cuidadosamente os produtos e toca o negócio sozinha até hoje. A situação começou a melhorar e a professora voltou a dar aulas. Mas é claro que o pão não podia ficar fora desta história.
“Fiz uma proposta à escola de levar um projeto de panificação às crianças. A gastronomia tem um poder enorme de motivação, de desenvolver as percepções, a forma de olhar, analisar, entre outros inúmeros benefícios. Eles aceitaram e escrevi o projeto. Levei à sala de aula desde a história do pão, como é o processo de produção, até a parte prática, onde as crianças puderam entender as diferenças de farinha e fazer seus próprios pães na escola. Sim, montamos uma padaria na escola”, comemora.
A hoje padeira e professora se enxerga em muito dos seus alunos, mas fica feliz por ter ressignificado o pão em sua vida. Pão, este, que de personagem candidato a vilão de sua história, tornou-se protagonista em sua vida.